Eu adoro o Japão. E com esse depoimento pessoal abro esta coluna Passaporte. E poderia abri-la com o sentimento oposto. O quarto de hotel de onde escrevo tem, sem exagero, uns cinco metros quadrados. Cinco! É quase um daqueles hotéis-pombais, onde se entra num misto de caixão e gaveta, deita-se e dorme-se de barriga para cima, pois não há espaço para virar o corpo. O meu quarto não chega a ser assim. A mala, no entanto, não pode ficar aberta no chão (não há armário) ou eu não consigo entrar no banheiro. E, no banheiro, tomar banho é sentir-se um gigante em terra de anões. A cabeça bate no teto e a estrutura de vaso sanitário, pia e chuveiro é uma só. Um molde pré-fabricado onde todos os encanamentos são interligados. Difícil imaginar? É, só vendo mesmo. Porém, se fosse listar tudo o que há aqui dentro pareceria que o espaço é cinco vezes maior. De cada buraco sai uma extensão que se desdobra em outro componente e se transforma numa mesa, numa cadeira, numa tábua de passar roupa.
Isso porque os japoneses são muito práticos. E aprenderam a viver num território apertado e hostil. Uma vez um deles me disse que o Japão era muito estranho. Um país que tinha como principal cartão-postal um vulcão adormecido. Ou seja, que idolatra a montanha que pode cobri-los de lava e trazer a destruição. Falo do Monte Fuji, onde tive a sorte de estar duas vezes, nos dois últimos Grandes Prêmios. E tirei fotos para provar. Sim, porque os japoneses também dizem que ver o Fuji é uma dádiva. Tem gente que vem até aqui, passa uma semana tentando bater uma fotinho só… E nada. As nuvens estão sempre cobrindo o cume.
Neste ano, a F-1 volta a Suzuka, de onde não se vê o Fuji mesmo. Só que o entorno de Suzuka é igual ao de Fuji. Casinhas semelhantes, restaurantes pequeninos, ruas apertadas, plantações de arroz e maquininhas com tudo o que se possa imaginar em cada esquina (de novo a praticidade dos japoneses. Você pode comprar de tudo nessas caixas automáticas: café, água, doces, cigarros, refrigerantes, chá, sucos, cerveja, cartões de recarga de celular etc, etc, etc, etc.).
A diferença é que Suzuka tem laços afetivos eternos com os torcedores brasileiros. A simples menção ao nome de Ayrton Senna faz os locais suspirarem. Este ano, no circuito, haverá uma loja dedicada exclusivamente a produtos com o nome e a marca do tricampeão. Réplicas dos bonés azuis do Nacional, camisetas, chaveiros, adesivos, bichos de pelúcia, bandeiras. Uma linha especial para lembrar os quinze anos da perda do piloto brasileiro que conquistou seus três títulos mundiais na pista japonesa.
Quando se fala do Japão sempre se ouve expressões do tipo “do outro lado do mundo”. Quando se está no Japão o sentimento é de que o mundo não é tão grande assim. Tudo cabe num quartinho de cinco metros quadrados. A memória está preservada. No templo xintoísta ou em alguns quilômetros de asfalto. Sorrisos abrem portas quando faltam palavras e sobra boa vontade. E, se faltam todas as palavras, sushi é sushi e sashimi é sashimi. Não se passa fome. Se a culinária local não agrada, as maquininhas salvam. Basta um punhado de moedas.
O jeito certinho e respeitador do japonês às vezes espanta, às vezes diverte, às vezes irrita. Igual ao jeitinho brasileiro. O jeitinho brasileiro do bom sentido. O da alegria, do improviso, da hospitalidade. Não aquele de querer levar vantagem em tudo (esse, só irrita).
Tem gente que diz que “japonês é tudo igual”. Aqui, no Japão, se aprende que ser humano é tudo igual.
E é por isso que eu adoro o Japão.
P.S.: Dica de leitura: Qualquer livro do Haruki Murakami. Vale à pena a maneira simples e direta da crônica da mistura entre o Japão moderno e o tradicional. O mais recente chama-se “Após o anoitecer”.