Documentário revela ligação entre ditadores e o futebol

sáb, 27/12/08
por gm marcelo |

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 Jogadores da seleção da Inglaterra fazem a saudação nazista antes de amistoso contra a Alemanha em 1938

Neste fim de ano, o SporTV preparou uma programação especial, com a exibição de documentários esportivos de alta qualidade. E uma atração imperdível do canal campeão para quem gosta de história do futebol é o filme “Fascismo e Futebol”. Produzido pela BBC, ele mostra como três ditadores europeus – Hitler, Mussolini e Franco – utilizaram o esporte mais popular do mundo para reforçar a força dos regimes que comandavam e conquistar mais apoio popular. 

A Copa do Mundo foi alvo de interesse político logo após a sua criação. A segunda edição foi realizada na Itália em 1934, no auge do governo fascista de Benito Mussolini. O ditador desejava fazer com o país voltasse a ter o poder dos tempos do Império Romano. E considerou que a vitória da equipe da casa no Mundial seria uma forma de mostra a força da “Nova Itália”. E para conquistar o objetivo, não mediu esforços. Chegou a criar um troféu paralelo à Copa do Mundo, que ainda não se chamava Jules Rimet. A “Coppa Il Duce”, uma homenagem a si próprio, era imensa perto da pequena taça dourada oferecida pela Fifa à seleção campeã. E o líder italiano controlou diretamente os destinos da competição.

Na semifinal, a Itália teria pela frente a Áustria. Conhecido como “Time Maravilha”, a seleção austríaca estava invicta há três anos. O documentário revela que, na véspera da partida, “Il Duce” (o condutor, em italiano) jantou com o árbitro designado – por ele? – para a partida: o sueco Ivan Eklind.  O tema da conversa não foi divulgado. Mas no campo, os austríacos não tiveram dúvida do que foi tratado. Josef Bican, atacante da equipe visitante, revela no documentário que o juiz chegou a interceptar com uma cabeçada um lançamento que fez para um companheiro. Com um gol polêmico, em um lance em que os austríacos pediram impedimento, a Itália venceu por 1 a 0 e chegou à decisão. 

O último obstáculo para Mussolini alcançar sua vitória particular era a Tchecoslováquia. Para a decisão, o árbitro designado foi… o sueco Ivan Eklind. Que teria se “reunido” novamente com o ditador pouco antes da partida, na tribuna do estádio em Roma. Os tchecos entraram em campo conscientes de que teriam um adversário extra além da seleção da casa e dos torcedores italianos. Sob o olhar de Mussolini na tribuna, os visitantes marcaram aos 21 do segundo tempo (gol do atacante Puc), mas sofreram o empate a nove minutos do encerramento (Orsi). Na prorrogação, Schiavo desempatou e fez a festa da torcida e do ‘condutor’. 

Quatro anos depois, a Copa foi realizada na França. Mussolini já não tinha o poder de comandar os destinos do torneio. Mas a competição não ficou livre de sua influência. Nas quartas-de-finais, o adversário dos campeões de 34 seria o time da casa. Para se diferenciar do azul do time francês, a Itália entrou em campo com uniforme todo preto. Uma referência direta à cor usada pelos seguidores de “Il Duce”.

Livro “Vencer ou morrer”Na Alemanha, o futebol também foi utilizado politicamente pelos nazistas. Em 38, o país disputou o Mundial reforçado com jogadores da Áustria, anexada em março daquele ano. A expectativa era que, com alguns dos melhores jogadores da Europa, a Alemanha brilhasse no Mundial marcado para a França. Mas o principal atleta austríaco não esteve presente. O atacante Matthias Sindelar, conhecido como “Homem de Papel” pela sua leveza e habilidade com a bola, se recusou a vestir a camisa alemã com a suástica no peito. Sempre alegava que estava machucado ou que já estava velho para o futebol (35 anos em 1938). Mas, na verdade, não queria defender uma equipe regida por um governo invasor e que havia expulsado seus colegas judeus do elenco do Áustria Viena.

A recusa reforçou a contrariedade de membros do Partido Nazista em relação ao jogador. Iniciada um mês depois da invasão da Áustria. O documentário apresentado pelo SporTV mostra raras imagens do amistoso em abril de 38 que marcaria a despedida da Áustria como seleção independente. A partida contra a Alemanha serviria para representar a superioridade das forças de ocupação. Mas Sindelar prejudicou os planos alemães. Capitão austríaco, o craque fez um dos gols da vitória por 2 a 0 e comemorou o tento dançando diante da tribuna repleta de oficiais nazistas. As pressões sobre o jogador e sua família acabaram de forma trágica em 23 de janeiro de 1939, quando o “Mozart do futebol” foi encontrado morto ao lado da namorada. Ambos envenenados por monóxido de carbono. A versão oficial foi que as mortes foram acidentais. Mas no documentário, um amigo de Sindelar revela que um oficial nazista aceitou alterar a ‘causa mortis’ para permitir que o jogador fosse enterrado com honras. Pela lei vigente, quem fosse assassinado ou cometesse suicídio –  uma hipótese defendida por muitos – não podia ser enterrado de tal forma. Os documentos originais nunca foram encontrados. Mas Sindelar jamais foi esquecido, sendo eleito o melhor atleta austríaco do século XX em pesquisa realizada em todo o país.

Se não pode contar com o melhor jogador do país anexado, Adolf Hitler, austríaco de nascimento, teve a ajuda, por ironia, da seleção inglesa para mostrar seu poder. Em 14 de maio de 38, o English Team foi a Berlim enfrentar a Alemanha. A realização do amistoso foi muito criticada na Grã-Bretanha, porque seria uma forma de referendar o regime nazista. Mas o governo inglês achou que a partida poderia ser um instrumento para melhorar as relações diplomáticas entre os dois países. Os ingleses venceram o jogo: 6 a 3. Mas o resultado foi extremamente positivo para Hitler. Mais importante do que o placar foi a imagem dos jogadores da seleção da Inglaterra fazendo a saudação nazista antes do início da partida. Uma cena (acima) que até hoje causa repulsa entre muitos britânicos.

A ditadura Franco influenciou para que Di Stefano fosse contratado pelo Real MadridO documentário também mostra a relação do ditador espanhol Francisco Franco com o futebol. Ao contrário de Hitler e Mussolini, o governo Franco, devido à teórica neutralidade na Segunda Guerra Mundial, resistiu ao fim do conflito. Mas o líder fascista liderava um país industrialmente atrasado, bem mais pobre que outras nações européias. E, apesar de não gostar particularmente de futebol, viu no esporte uma forma da Espanha passar a ser conhecida positivamente no exterior. E o Real Madrid acabou sendo um instrumento para isso.

O filme produzido pela BBC mostra que o governo espanhol influenciou diretamente para que o argentino Di Stefano, um dos melhores do mundo nos anos 50, fosse jogar no Real em 1953, e não no Barcelona,  o que era dado como certo. Di Stefano chegou a fazer três amistosos com a camisa do Barça, mas a diretoria do clube foi pressionada pelas autoridades a abrir mão do jogador. Com o argentino, o já forte clube da Catalunha provavelmente se transformaria numa potência, reforçando uma região que sempre fez forte oposição ao regime central. E que sempre desejou se livrar do ditador. Colocando o craque no Real, Franco fortaleceria a capital, onde seu governo estava baseado.

Entrevistado no documentário exibido pelo SporTV, Di Stefano afirma que não foi jogar no Barcelona por “problemas burocráticos”. Essa burocracia é revelada no programa. O governo Franco ameaçou o presidente do Barça de realizar uma rígida inspeção fiscal em sua companhia têxtil, que poderia inviabilizar seu negócio.  O “acordo” ajudou o Real, liderado pelo craque argentino, a conquistar cinco título consecutivos da Copa dos Campeões da Europa (de 1956 a 60), ajudando a Espanha a se tornar conhecida na Europa e no mundo não só pela ditadura que durou 25 anos. Mas também pelo seu poderoso futebol.  O Real foi um “embaixador da Espanha”, como o próprio Di Stefano reconhece na entrevista. E, involuntariamente, um embaixador da ditadura Franco.

Dica: Além do documentário, uma boa dica para quem deseja saber mais sobre a relação futebol-política é o livro “Vencer ou morrer – futebol, geopolítica e identidade nacional”, escrito pelo historiador Gilberto Agostino.

O documentário “Fascismo e futebol” vai ser reprisado na terça-feira (dia 30), às 22h30 (de Brasília), no SporTV 2. Clique e confira a programação do SporTV

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21 Comentários para “Documentário revela ligação entre ditadores e o futebol”

Páginas: [2] 1 »

  1. 21
    JOBERT SP:

    A Politica sempre usou o esporte,mas acho q historicamente os governos de ESQUERDA usaram muito mais o esporte para fins de
    Propaganda e afirmação.

  2. 20
    Flavio:

    Saudações corinthianas,amigos….
    o momento mais marcante do campeonato paulista
    foi o segundo jogo da final de 1999 entre Palmeiras x Corinthians.

    Essa final para mim e acredito que para todos os corintianos,
    foi inesquecivel ver o corinthians ganhando mais um título
    em cima do nosso maior rival.

  3. 19
    Lara Monsores:

    Olá Marcelo,
    parabéns pelo excelente blog. Faço faculdade de História e é impressionante ver como o futebol tem tudo a ver com os fatos históricos.
    Recentemente li um livro muito bom do Hilário Franco Jr chamado “A dança dos deuses. Futebol, sociedade e cultura” q conta um pouco da história do futebol no mundo e como esse esporte reflete a sociedade. Fica a dica pra quem quiser se aprofundar mais no tema.
    Tb acho que esse blog deveria ter mais visibilidade no site,está muito escondido.


    Olá. Valeu pela dica. E obrigado pelo elogio. Grande abraço. Marcelo

  4. 18
    Junior:

    E o SPFC, não entra nessa história?

  5. 17
    marcos neves:

    Muito legal o teste das figuraças acertei 18 errei só o George Best e o Di Canio.
    Abraço a todos e um Feliz 2009

  6. 16
    Nayara Mendonça:

    Num acerteii tudo naum!!!kaokspaakoakaoa…. Só acerteii 4 de 20 heiin?Preciisoo saber maiis sobre futebol de antigamente!!

  7. 15
    tayna:

    acertei 18

  8. 14
    gb du elvis:

    Thayna Pereira de sousa

  9. 13
    Igor:

    Eu vi no meio pro final dos 2 e gostei muito estou procurando pra fazer download

  10. 12
    Lara:

    mt podre

  11. 11
    Rafael:

    Marcelo, estou louco para assistir essas reportagens do fascismo e do comunismo no futebol,será que depois você não tem como colocar o vídeo na globo.com ou no youtube?

    Caro Rafael. Dá uma conferida na programação do SporTV que os documentários vão ser reprisados durante a semana. O sobre o fascismo passa nesta terça, às 22h30, no SporTV 2. Aí vai o link da programação. https://sportv.globo.com/SporTV/Home/0,,4978,00.html. Abraços. Marcelo

  12. 10
    Marcelo Ricciardi:

    Marcelo, passando pela Sportv esses dias, acabei topando sem querer com outro documentário bem semelhante, chamado “Comunismo e Futebol”, se não me engano. Ótimo, falava de detalhes obscuros que nem imaginava, como o “Pelé russo”, cuja carreira foi abreviada por perseguições militares. Trata-se então de uma série a respeito da política no futebol??? Há mais algum outro epiosódio???

    Caro Márcio. Este episódio não tive a oportunidade de assistir. Mas acredito que tenha seja produzido pela mesma equipe. Vou tentar assistir durante a semana e te envio uma mensagem. Abraços. Marcelo

  13. 9
    Vinícius Barros:

    Marcelo, obrigado por publicar meu comentário anterior! Mudando de assunto, você não acha que deveria ter mais espaço no site Globoesporte.com? Não sei como são as regras, mas acho que se por exemplo, se escrevesse alguma coisa do Botafogo, deveria ser divulgado na parte dedicada ao Botafogo onde ficam as notícias do mesmo. Estou achando o blog muito escondido e precisa de mais divulgação! É só uma idéia!

    Abraços!

    Caro Vinicius. Geralmente, quando há um post sobre determinado clube, aparece na home daquele time. Caso do post sobre o livro do Quarentinha, que foi destacado na home do Botafogo. Abs. Marcelo

  14. 8
    Vinícius Barros:

    Caro Marcelo, desculpe, mas tenho que criticar… você acha que na ditadura militar no Brasil, não era de interesse que o time de massa, do povo, etc, ganhasse o máximo possível? Digo que não é de interesse da imprensa, mais conhecida como “Fla-prensa”, divulgar isso, devido sua grande imparcialidade! O Flamengo, junto ao Fluminense(com as “ajudinhas” de João Havelange) São os time brasileiros que mais roubaram na história do futebol brasileiro e aí, eu incluiria também o São Paulo, que tinha torcedores como militares.

    Pra Fla-prensa, roubo só acontece na Europa, até porque é lá que o futebol é organizado… aqui é maior bagunça, mas se alguém for prejudicado, é “chororô”! Poha, se lá na europa, o Benfica, clube português, é beneficiado por ser o clube de maior torcida(de Portugal), como no Brasil, onde corruptos dominam, isso pode ser diferente???

    Não cita o Brasil porque é FLAPRESS! PONTO FINAL!

    Caro Vinicius. Está dado o seu recado. Mas é importante ressaltar que o texto foi feito em cima do documentário exibido no SporTV, que trata das relações dos regimes de Hitler, Mussolini e Franco com o futebol. O filme não fala do Brasil. Abraços. Marcelo

  15. 7
    Paulo:

    Por isso, odeio o Real Madrid. Um time que ficou famoso e campeão, muito graças a Franco, que era torcedor fanático do time da capital, e sempre manipulou resultados a favor do time merengue …Por isso, quem não é “madridista”, odeia o Real Madrid…E vale ressaltar também, que Mussolini era torcedor fanático da Lazio, que hoje conta com uma das torcidas mais violentas, fascistas, e racistas do mundo…

  16. 6
    Paulo:

    Por isso, odeio o Real Madrid. Um time q

  17. 5
    Maico:

    Achei muito interesantes os documentários que a SPORTV tem passado, gostaria de adquirir esses documentários, como eu poderia? Abração Maico

    Caro Maico. Acredito que eles não estão à venda não. Abraço. Marcelo

  18. 4
    Pamella:

    Oi Marcelo.
    conheço seu blog há três dias e estou adorando. O documentário sobre comunismo e futebol também foi bem interessante. Tem um livro, do qual gosto que se chama “Como o futebol explica o mundo” é uma boa dica também sobre as relações da política com esse esporte que tanto nos encanta.
    um abraço.
    Pamella Lima.

    Olá Pamella. Muito obrigado pela sua mensagem. Excelente dica. Esse livro é muito interessante mesmo. Abraço. Marcelo

  19. 3
    pedro:

    assunto interessantissimo. eu como historiador e amante do futebol, me interesso muito pelas relacoes politicas dentro do futebol. esse tema faz com que as pessoas possam entender que os interesses (sejam eles politicos, economicos e/ou ideologicos) estao por tras de todas as esferas sociais.

    pena q nao estou no Brasil e nao vou poder ver esse documentario, que deve ser fantastico.

    mesmo assim parabens pelo levantamento do tema.

    grande abraco!

    Caro Pedro. Muito obrigado pela sua mensagem. Grande abraço. Marcelo

  20. 2
    Fernanda:

    Muito interessante… vou tentar assistir ao documentário na terça.

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