A bola das crianças moçambicanas

sex, 05/06/09
por alexandre abreu |
categoria Sem Categoria

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Em Moçambique, as crianças fazem os seus próprios brinquedos e utilizam preservativos para fazer balões e até bolas para jogar futebol. Elas juntam vários preservativos, colocam um por cima do outro, os enchem de ar, amarram com ráfia e ganham uma bola macia, leve, resistente e maleável para brincarem. “Usamos bolas de preservativo porque são fáceis de fazer e não custam muito dinheiro. As bolas originais são caras e nenhum de nós consegue pagar para brincarmos”, disse Carlito ao site “Plus News”. Para fabricar as bolas, às vezes as crianças usam os preservativos que suas mães ou tias recebem das unidades sanitárias nas reuniões de planeamento familiar. Por recearem que seus maridos descubram preservativos nas suas bolsas, elas optam em dá-los para seus filhos ou sobrinhos fazerem brinquedos. Outras vezes os pais chegam a dar-lhes dinheiro para comprarem camisinhas. Mas em muitos dos casos, as crianças adquirem os preservativos de distribuição gratuita junto às instituições governamentais e não governamentais com fácil acesso, onde a camisinha está exposta nas portas de entrada, sem o controle dos usuários. “Várias vezes vimos nosso cesto de preservativo vazar em meio dia. Primeiro ficamos felizes, mas quando descobrimos que as crianças levavam para fazer balões e bolas, colocamos longe do seu alcance”, disse Eugénio Fumane, coordenador do estúdio móvel do Grupo de Educação Social de Manica (GESOM). A GESOM, junto com parceiros nacionais e estrangeiros, promove campanhas de educação cívica sobre o HIV/AIDS, saúde reprodutiva e desenvolve debates comunitários em vários corredores de risco, além de incentivar a população a fazer teste de saúde. As suas atividades incluem a distribuição de preservativo. “Neste momento um dos maiores problemas tem a ver com a educação e sensibilização da população no que respeita ao uso de contraceptivos, sobretudo a camisinha”, reconheceu Arão Uaquiço, coordenador do Núcleo Provincial de Combate a Sida (NPCS), em Manica.As crianças quando não conseguem ter acesso ao preservativo gratuito nas instituições recorrem às latas de lixo, onde às vezes retiram preservativos já usados para fabricar bolas de futebol. Atualmente em vários países da África austral as estratégias de prevenção de programas de combate ao HIV têm-se concentrado em três aspectos: sexo tardio, redução de parceiros e uso contínuo de preservativos. Aliás, o atual plano do Conselho Nacional de Combate a AIDS (CNCS), para acelerar a prevenção do HIV/AIDS em Moçambique, recentemente aprovado pela Assembleia da República e em divulgação desde Março último no país, tem o preservativo como o principal meio para travar novas infecções por HIV. Mas os esforços da sua distribuição podem ser reduzidos a zero quando os mesmos forem desviados para produzir brinquedos”, disse Uaquiço. Segundo ele, a preocupação do NPCS não se limita ao uso indevido de preservativos, mas também ao possível contacto das crianças com preservativos usados, o que as coloca em risco. “As crianças (sobretudo crianças de rua) quando não conseguem ter acesso ao preservativo gratuito nas instituições recorrem às latas de lixo, onde às vezes retiram preservativos já usados para fabricar bolas de futebol” contou. Ele explicou ainda que as crianças enchem os preservativos com a boca, o que no seu entender pode causar várias infecções por causa do contacto com o sémen depositado na camisinha. Ainda de acordo com Uaquiço, perante a situação de uso alheio dos preservativos por crianças há uma necessidade de redobrar de esforços em campanhas de conscientização da população sobre o valor dos meios contraceptivos e “parar com este escândalo (de uso de camisinhas por crianças) que estamos a viver”. A ONG norte-americana Population Services International (PSI) está desenvolvendo uma campanha junto aos revendedores das suas marcas de preservativo proibindo a venda para menores. “Nunca disponibilizamos preservativos para crianças. Mas mesmo assim temos triplicado o cuidado sensibilizando os nossos revendedores, quer os grossistas ou retalhistas, para não venderem os preservativos a crianças”, assegurou Tomas Reis Madeira, representante provincial do PSI em Manica. Mas várias organizações engajadas na luta contra o HIV em Manica continuam a expor os preservativos com acesso fácil para as crianças. “Infelizmente a percepção deste fenômeno ainda nao é uniformizada entre as organizações envolvidas no combate ao HIV/SIDA”, disse Funame. “Esta é a altura de articular estratégias para impedir que as crianças tenham o acesso ao preservativo.” A GESOM nas suas campanhas tem estado a desincentivar o uso de preservativos por crianças, distribuindo os preservativos para adolescentes, jovens e adultos. “Temos novas marcas de preservativo cuja distribuição é mais limitada. O preservativo está feito para grupos específicos”, disse Madeira. Em 2008, o PSI vendeu mais de dois milhões de preservativos na província de Manica. Até Abril deste ano 492.240 preservativos haviam sido vendidos pela ONG na província.E stima-se que em 2008 mais de 55 milhões de preservativos tenham sido vendidos e distribuídos gratuitamente em todo o país, cerca de três preservativos para cada habitante da população, que tem uma seroprevalência de 16% entre os adultos. “Hoje vamos disputar uma taça (uma única volta de jogo inter-bairros) e quem ganhar leva 20 meticais (US$ 0,80) e assim podemos comprar mais linha para fazer outra bola melhor”, disse Carlitos, indiferente à controvérsia causada pela matéria-prima de sua bola.

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